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OS SANTOS E A PALAVRA DE DEUS
Estamos entrando no mês de setembro, mês dedicado a Bíblia. Quem são os intérpretes mais verdadeiros e mais autênticos da Palavra de Deus? Já o Papa Bento XVI, na sua Carta Apostólica Verbum Domini, se fez esta pergunta. A reflexão que segue está inspirada na sua resposta.
A interpretação da Sagrada Escritura ficaria incompleta se não se ouvisse também quem viveu verdadeiramente a Palavra de Deus, ou seja, os Santos. Realmente a interpretação mais profunda da Escritura provém precisamente daqueles que se deixaram plasmar pela Palavra de Deus, através da sua escuta, leitura e meditação assíduas.
Certamente não é por acaso que as grandes espiritualidades, que marcaram a história da Igreja, nasceram de uma explícita referência à Sagrada Escritura. Pensemos, por exemplo, em Santo Antão Abade, que se decide ao ouvir esta palavra de Cristo: «Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que possuíres, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro nos céus; depois, vem e segue-Me». Igualmente sugestivo é São Basílio Magno, quando se interroga: «O que é próprio da fé? É conformar-se com o significado das palavras da Escritura, sem ousar tirar nem acrescentar seja o que for». São Bento, na sua Regra, remete para a Escritura como «norma retíssima para a vida do homem». São Francisco de Assis «ao ouvir que os discípulos de Cristo não devem possuir ouro, nem prata, nem dinheiro, não devem trazer alforge, nem pão, nem cajado para o caminho, não devem ter vários pares de calçado, nem duas túnicas, logo exclamou, transbordando de Espírito Santo: Com todo o coração isto quero, isto peço, isto anseio realizar!». Santa Clara de Assis reproduz plenamente a experiência de São Francisco: «A forma de vida da Ordem das Irmãs pobres é esta: observar o Santo Evangelho do Senhor nosso Jesus Cristo». Por sua vez, São Domingos de Gusmão «em toda a parte se manifestava como um homem evangélico, tanto nas palavras como nas obras». Santa Teresa de Ávila, nos seus escritos, recorre continuamente a imagens bíblicas para explicar a sua experiência mística, e lembra que o próprio Jesus lhe manifesta que «todo o mal do mundo deriva de não se conhecer claramente a verdade da Sagrada Escritura». Santa Teresa do Menino Jesus encontra o Amor como sua vocação pessoal, quando perscruta as Escrituras; e a mesma Santa assim nos descreve o fascínio das Escrituras: «Apenas lanço o olhar sobre o Evangelho, imediatamente respiro os perfumes da vida de Jesus e sei para onde correr».
Cada Santo constitui uma espécie de raio de luz que brota da Palavra de Deus: assim o vemos em Santo Inácio de Loyola na sua busca da verdade e no discernimento espiritual; em São João Bosco na sua paixão pela educação dos jovens; em São João Maria Vianney na sua consciência da grandeza do sacerdócio como dom e dever; em São Pio de Pietrelcina no seu ser instrumento da misericórdia divina; na Beata Teresa de Calcutá a missionária da caridade de Deus pelos últimos; e nos mártires do nazismo e do comunismo representados, os primeiros, por Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), monja carmelita, e os segundos pelo Beato Aloísio Stepinac, Cardeal Arcebispo de Zagrábia.
Assim a santidade relacionada com a Palavra de Deus inscreve-se de certo modo na tradição profética, na qual a Palavra de Deus se serve da própria vida do profeta. Neste sentido, a santidade na Igreja de Cristo representa uma hermenêutica da Escritura da qual ninguém pode prescindir. O Espírito Santo que inspirou os autores sagrados é o mesmo que anima os Santos a darem a vida pelo Evangelho. Entrar na sua escola constitui um caminho seguro para efetuar uma hermenêutica viva e eficaz da Palavra de Deus.
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas.